O texto que posto em seguida é o texto que produzi para o Laboratório de Crítica de Arte dessa Bienal de Curitiba. Nele, trato dos meus dois assuntos preferidos: arte e moda, e de como a relação entre os dois é peculiar. O texto é meio longo e, segundo crítica especializadíssima, o começo é chato, mas, pra quem tiver paciência... aí vai!!!
Sonia Delaunay
O LAB#4 já
começou como uma experiência proveitosa no primeiro dia, primeiro instante: o
das apresentações. Surpresa foi que não era a única, e nem éramos poucos, os
participantes (estudantes ou ex-estudantes) do campo da moda. A presença do
pessoal da moda instigou-me, ainda mais, uma curiosidade já vigente nos meus
pensamentos sobre arte.
Para nós, da
área, é clara, e inegável, a relação existente entre arte e moda. Mas como se
dá essa relação?
A presença do
universo do vestuário nas artes visuais é comum e perceptível. Podemos dizer
que as duas, arte e moda, originaram-se do adorno e por isso possuem uma raiz
em comum que gerou uma intervenção mais aparente a partir da Art Nouveau, no
séc. XIX.
Começamos com
Henry Van de Velde criando os Künstlerkleid, que podemos traduzir como vestidos
artísticos, para o Wiener Werkstätte, ateliês que juntavam arquitetos, artistas
e designers contra o academicismo na Viena de 1903. Ateliês esses que Gustav
Klimt fazia parte e para quem desenhou várias vestimentas. Klimt é um bom
exemplo da mistura arte/moda com as vestimentas que produzia em seus quadros
que misturavam sonhos e carnalidades num conceito quase freudiano.
Sonia Delaunay
Terk, inspirada pelo cubismo, criadora dos vestidos
poemas era contemporânea de Coco Chanel e Elia Schiaparelli, estilistas que
também participavam dos movimentos artísticos de vanguarda e não raras vezes
faziam parcerias com os artistas.
As vanguardas
do início do século XX tem relações estreitas com a moda. Os trajes futuristas
de Giacomo Balla, as parcerias de Sonia Delaunay com Tristan Tzara, líder do
dadaísmo, as experimentações com vestuário como suporte feitas pelos
surrealistas a exemplo de Dalí (amigo próximo de Chanel).
É ainda mais
fácil relacionar exemplos mais recentes da participação da moda na arte. Flávio
de Carvalho e suas experimentações com a vestimenta brasileira, Andy Warhol e
seus slogan dresses, Oiticica e os
Parangolés, Lygia Clark e suas roupas sensoriais, Nelson Leirner e os vestidos
Stipncores (que não por pouco aparecem na revista de moda Vogue ainda hoje).
Esses foram
fatos da história da arte que exemplificam a utilização de recursos da moda nas
artes visuais, mas não é difícil percorrer o caminho no sentido inverso
recrutando exemplos da utilização da arte no mundo da moda. Não se estendendo
nos exemplos desse viéz, que não é o foco do texto, cito o estilista Jum Nakao
e suas roupas-obras de papel, Tunga num desfile para a marca brasileira M.
Officer, reproduções de pinturas renascentistas na campanha do designer de calçados
Christian Louboutin, e principalmente a invasão de exposições de roupas em
museus e galerias de arte.
A relação fica
ainda mais clara quando enxergamos os desfiles de moda como performances
artísticas. O objetivo desses desfiles, como na arte, é proporcionar ao público
uma experiência, levar ao estranhamento e não, necessariamente, à beleza.
Até faço
relação de uma frase muito ouvida no mundo da moda (“ninguém usaria isso na
vida real”) com uma frase muito ouvida no mundo da arte (“isto até eu faria”)
para ligar esses dois universos em pelo menos uma questão comum: a criação de
um conceito.
Esses dados
exemplificam a relação arte/moda, mas não a explicam. Seria possível definir
uma única perspectiva pela qual examinar os dois universos? Ou definir uma
especificidade da arte e uma especificidade da moda? Ou afirmar que a moda se
tornou arte e que os estilistas são criadores estéticos da contemporaneidade
usurpando o papel dos artistas?
Considero que
moda não é arte por um fator simples: o processo produção/comercialização/consumo.
A moda é, independente de seu nível e sua aura de arte, um produto de massa. A
moda tem uma função e é a função que a distingue da arte.
A partir disso
entro numa questão amplamente discutida (e difícil de fugir) nos encontros do
LAB#4: o sistema e o mercado. Questão natural ao se tratar de moda e tão
complexa e controversa ao se tratar da arte.
O mercado de
arte contemporânea bebe do mercado da moda, suas estratégias, seu meio de
comunicação, sua promoção e seu viéz glamoroso para gerar visibilidade e
escapar de ficar restrita às pessoas ligadas ao setor, amantes e
colecionadores. Fato que funciona muito bem na moda mas pode se virar contra a
arte quando o poder econômico consegue impor seu funcionamento (velocidade de
mudança, culto ao novo) e nega ou aprova tendências artísticas de valor
duvidoso num consenso de crédito cultural que na verdade somente esconde um
credito econômico e comercial.
É assim que as
duas áreas bebem do sistema uma da outra: enquanto a moda se utiliza da arte
como acesso à alta cultura artística e invade as galerias; a arte entra no
sistema mercadológico da moda muitas vezes se perdendo em valores econômicos e
comerciais. (Nessa antropofagia entre as duas áreas não há dúvidas que a arte é
que saiu perdendo.)
Impossível
isolar o sistema da moda, impossível isolar o sistema da arte, ou criar uma
identidade entre os dois ramos fazendo-os gerar um único contexto. Arte e moda
participam de um intenso intercâmbio, como acontece com todos os campos da
produção material e cultural.
Por serem de criação de conceitos tão semelhantes mas terem distinção tão importante de funcionalidade de funcionalidade, é que explicar essa relação se torna tão complexo, se não, pra mim, nesse LAB#4, impossível.
Ouvindo: Caetano Veloso - Clarice
5 comentários:
"O mercado de arte contemporânea bebe do mercado da moda, suas estratégias..."
meio que acontece com ecobags do romero britto e melissas dos campana?
inserir a arte de uma maneira seriada e em larga escala?
mas acho que o objetivo se transforma de 'difundir a arte' para 'usar a arte como assinatura e com isso ganahr mais dinheiro' deixando a contemplação de lado e valendo-se de caracteristicas 'técnico-funcionais' da arte para adapta-la em produtos seriados de moda ou afins.
falei besteira?
;**
Besteira nenhuma, fredico!!
Mas os exemplos que tu deu não é a arte se utilizando da moda, mas a moda se utilizando da arte! (se bem que romero brito tem que comer muito feijão pra ser artista de verdade, e os campana são designers e não artistas, o que muda um pouco a relação.)
O que a arte se utiliza da moda é o sistema de mercado, utilizando merchands, galerias conhecidas, preços exorbitantes, fila de espera e essas coisas (beatriz milhazes tem uma fila de espera gigante, isso não é comum na arte).
É bem como tu falou, usam a aura de arte, mas vendem como moda. O que pra arte é uma perda, né...
Beijo, querido! Fiquei feliz que leu o texto gigante!! =)
ah, sim! ai que entra a discussão de que se essa arte encomendada é arte mesmo?
ja foi muita informação pra mim hoje hahaha vamos deixar para próxima!
;*
haha mas é isso, mesmo! daí cria uma discussão infinita de validação da arte!
Vcs me matam de orgulho. Eu não gosto do Romero Britto nem da sua escola bastardinha, tampouco entendo muito de arte. Mas acho válido utilizar arte para aquecer o mercado da moda e vice-versa, mesmo que de forma superficial, acho que vale como informação, como um ponto de partida. Deve ser pq eu ia gostar de ficar milionária se tivesse alguma ideia bacana que se aproveitasse destes conceitos.
Bjo, Fer.
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