segunda-feira, 19 de novembro de 2007

A la Milan Kundera

O ciúme não é um traço de caráter muito simpático, mas se tomamos cuidado para não abusar dele (se vem acompanhado de recato), ele tem, apesar de todos os inconvenientes, qualquer coisa de comovente. Pelo menos ele pensava assim.

Conheciam-se há um ano, mas ela ainda conseguia enrubescer na frente dele e ele gostava muito dos seus momentos de pudor (primeiro, porque isso a diferenciava das mulheres que conhecera antes dela, e segundo, porque conhecia a lei da universal fugacidade que lhe tornava precioso até mesmo o pudor de sua amada).

Ela sempre enrubescia por antecipação diante da idéia que iria enrubescer. Muitas vezes desejava sentir-se livre, despreocupada, a vontade em seu próprio corpo, como sabia que era a maioria das mulheres com quem convivia.

Essa angústia, ela sentia até mesmo ao lado do rapaz; ela o conhecia a um ano e estava feliz, sem dúvida porque ele nunca distinguia entre seu corpo e sua alma, de maneira que, com ele, podia viver corpo e alma. A felicidade vinha dessa ausência de dualidade, mas, a desconfiança vive perto da felicidade. Pelo menos ela pensava assim.

E nesse afluxo de felicidade melancólica ele compreendia que era amado como nunca. Evidentemente, muitas mulheres já lhe haviam dado provas tangíveis de seus sentimentos, mas, no momento, ele se restringia a uma fria lucidez: será que tinha sido sempre amor? será que não sucumbira algumas vezes a ilusões? não lhe acontecia imaginar mais do que a própria realidade? Tudo ficou bem pálido após os pensamentos e por não ser consciente de tudo isso, não se achava responsável pelos fatos e pensamentos.

Se fossemos responsáveis apenas pelas coisas de que somos conscientes, os imbecis seriam absolvidos antecipadamente de todos as faltas. Acontece que o homem é obrigado a saber. O homem é responsável pela própria ignorância e a ignorância é uma falta.

Ele contemplou aquele rosto terno e acariciou-lhe. Sentiu por ela um amor sem limites e ficou um longo momento sem poder tirar os olhos dela. Pela primeira vez, desde que conhecera a namorada, tentava observá-la com olho crítico, e enquanto ela falava (felizmente ela não parava de falar um segundo, e a ansiedade do rapaz passava desapercebida), descobriu em sua beleza vários pequenos defeitos; ficou perturbado, mas logo se tranqüilizou com a idéia de que esses pequenos defeitos tornavam sua beleza mais interessante, que era justamente por causa desses defeitos que todo o seu ser lhe era tão próximo e familiar.

Pois o rapaz gostava muito da namorada. Mas, se gostava tanto dela, por que cedera à idéia, tão humilhante para ela, de examiná-la com olho crítico? O rapaz não sabia realmente o que devia pensar da namorada, era de fato, incapaz de avaliar seu encanto e beleza.

Ela apenas levantou os olhos para o rapaz e constatou que ele era exatamente como imaginava. Ela podia esquecer de si mesma e entregar-se a ele. Ou não. Já que a desconfiança ficava perto da perfeição. O olhar que ele à lançava significava apenas uma coisa, que estava pensando em outra. Pelo menos ela pensava assim.

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